Negociações e identidades

Depois de um interlúdio de um mês por motivos de força maior (ou férias em terras lusitanas com a família) volto ao tempo acelerado que corre sem parar nesta multicultural (e quase tropical) São Paulo.

E é sobre essa multiplicidade do Brasil que vou falar um pouco neste post, através de uma historinha real que sucedeu comigo no aeroporto de Madrid, voltando de Lisboa para o além-mar.

Habituada a um padrão étnico europeu, em que muitas vezes (mas cada vez menos) etnia e nacionalidade são uma única coisa, tive uma agradável surpresa no portão de embarque para São Paulo em Madrid.

Em Lisboa, apesar de os portugueses estarem cada vez mais longe de fazer parte de uma etnia só (de que na verdade nunca fizeram mas que alguns insistem em apontar), a maioria dos asiáticos que circulam nas ruas iluminadas pelo Tejo são ou imigrantes chineses ou turistas japoneses, que se reconhecem de longe pelas vestimentas (geralmente shorts, chapeuzinho e ténis branco), mapa numa mão, câmara fotográfica na outra e ar de perdidos. Esses estereótipos podem talvez servir para identificar a nacionalidade de alguém em Portugal ou noutro país da Europa, mas o que eu me tinha esquecido é que eles estão longe de serem úteis na realidade brasileira.

Enfim, a historinha que vos quero contar é a seguinte. Voltando de Portugal com uma quantidade de malas digna de uma passageira brasileira, chego ao portão de embarque em Madrid para São Paulo e sento-me ao lado de um senhor de shorts, chapéu e ténis impecavelmente branco que imediatamente identifiquei como sendo de etnia e nacionalidade japonesa. Pouco depois observo uma senhora também japonesa sentar-se do seu lado e o meu impulso imediato foi imaginá-los a falar japonês e tentar entender alguma palavra (exercício que tento fazer sempre que possível para me posicionar de forma otimista em relação ao meu lento aprendizado do idioma).

Não foi o meu espanto, por um milésimo de segundo, quando os dois começam a conversar em português com sotaque brasileiro. Foi naquele instante e na agradável companhia de Jeffrey Lesser (não pessoalmente mas em versão literária) que percebi que em breve estaria entrando numa outra realidade, num mundo em que etnia e nacionalidade não são de todo sinónimos. Um outro mundo em que as culturas são múltiplas e estão sempre em mutação. E devo dizer que Lesser tem sido um ótimo acompanhante nesse viagem no tempo e no espaço: o tempo acelerado de São Paulo, em que tudo acontece com uma rapidez incomparável, e um espaço multicultural, em que qualquer um, de qualquer parte do mundo, pode ser brasileiro.

P.S. Em breve mais historinhas e outras curiosidades sobre a minha viagem em terras lusitanas.