A Balada de Marunouchi

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Odeio Marunouchi, centro empresarial e financeiro de Tokyo, seus prédios altos e espelhados, suas lojas de grife e seus cafés com nomes em francês. Saí na estação de metrô Hibiya, perto de onde fica o Museu de Artes Idemitsu, que exibia uma mostra sobre o ceramista japonês Itaya Hazan, falecido em 1963. Admito que não estava muito disposta à visita, pois apesar de conhecer pouco sobre o trabalho de Hazan, sabia que ele trabalhava especialmente com porcelana, material que eu não aprecio tanto por ser mais fina e elegante que a cerâmica comum. Combinava, portanto, com o ambiente pseudo-chique de Marunouchi.

Depois de me perder durante 10 minutos no espaço de três quarteirões frequentados majoritariamente por sarariman (salary men) engravatados e me sentido completamente deslocada, lá dei de caras com o museu. Na porta, percebi rapidamente um senhorzinho japonês que, tal como eu, destoava da multidão por seu estilo “descolado”: cabelo branco pelos ombros coberto por um chapéu de abas, sobretudo comprido e longa barba branca.

No momento não prestei muita atenção e lá entrei no elevador do prédio chiquérrimo, onde um porteiro de uniforme organizava a fila e as entradas e saídas do elevador. Logo que apertei o botão do sexto andar, onde fica o museu, percebi que o tal senhorzinho “descolado” entrara junto comigo.

– Doko kara kimashita? – “de onde você é?” perguntou em japonês.

– Eu sou portuguesa, mas moro no Brasil – respondi como normalmente.

– Ahhhhh! – soltou espantado – Eu fui a Portugal o ano passado!

– É mesmo? – respondi também surpresa. – E gostou?

Sexto andar. As portas dos elevadores abriram-se e começamos ambos caminhando em direção à bilheteria.

– Eu fui a Compustela, na Espanha, e depois Porto, Coimbra, Nazaré – comentou.

– Foi sua primeira vez em Portugal? – perguntei.

– Segunda.

Chegando na bilhetaria, apresentei meu cartão de estudante e estava tirando o dinheiro da carteira para pagar a entrada quando ele me disse:

– Não, não. Você não precisa pagar.

– Porquê? – soltei espantada.

Então ele mostrou um cartão à funcionária da bilheteria, que sorriu e nos entregou o ingresso sem cobrar nada. Tentando entender o que se passava, o senhorzinho “descolado” me pegou de surpresa mais uma vez:

– Eu adoro Portugal – disse, em português com sotaque.

-Uaahhh! – gritei eu espantada – O senhor fala português!

– Eu morei em Brasília há dez anos atrás – explicou.

Depois me mostrou o tal cartão que usou para entrar de graça no museu, explicando alguma coisa em japonês que eu não entendi.

– Jya, bye bye! – disse de repente.

– Muito obrigada! – respondi gaguejando, num misto de surpresa e constrangimento.

– Qual é seu nome? – perguntou-me ainda.

– Liliana – disse – E o seu?

– Moritani.

– Muito prazer Sr. Moritani!

E lá seguiu ele à frente para a exposição.

***

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Depois de ter visto dezenas de exposições de cerâmica tradicional japonesa, mostrando números infinitos de tigelas para a cerimônia do chá, rústicas, tortas, assimétricas, influenciadas pela estética wabi-sabi, ou como lhe queiramos chamar, as obras de Itaya Hazan caíram como uma lufada de ar fresco.

Influenciado pelo movimento europeu art nouveau que, por sua vez, se inspirou também na estética japonesa e suas artes tradicionais, Hazan criou peças ao mesmo tempo simples e exuberantes, de uma delicadeza excepcional. Suas obras em porcelana são bem diferentes daquele tipo a que eu estava acostumada de superfícies brilhantes e motivos excessivamente detalhados. Além das porcelanas brancas com vidrado mate, pintadas à mão em cores pastel com traços que lembram as técnicas de caligrafia, Hazan executou também várias experiências com cristais minerais, resultando em obras com cores e tons fora do comum, que eu jamais havia visto em peças de cerâmica.

Hazan também criou algumas tigelas para a cerimônia do chá, bem diferentes das de estilo raku ou outros estilos tradicionais usados na ocasião, caracterizadas por sua simplicidade e sobriedade. Uma das peças que mais me marcou tem o nome de Amanogawa (Via Láctea), mas infelizmente não encontrei nenhuma foto para colocar aqui.

***

Enquanto eu via atentamente a exposição, tirando apontamentos vários, o Sr. Moritani veio se despedir. Ainda me perguntou o que fazia e comentou que existia um restaurante português que ele gostava muito perto do Parque Yoyogi. Enquato conversávamos entusiasticamente no meio da exposição, uma funcionária aproximou-se pedindo-nos para baixar o tom de voz. No fim, pedi-lhe o cartão de visita, com a intenção de lhe enviar um e-mail agradecendo a entrada no museu e nos despedimos.

Depois de terminar a visita à exposição dirigi-me à cafetaria, que tem uma vista belíssima dos prédios empresarias, altos e espelhados da região e dos jardins do Palácio Imperial.

Acho que, afinal, até gosto de Marunouchi.

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Estou no Japão pela terceira vez desde que escrevi o último post neste blog há um ano e meio. O motivo, pesquisa de campo sobre ceramista estrangeiros residentes no país, na Universidade de Kanagawa. A partir de hoje tentarei ser mais assídua na partilha de conhecimentos, situações e experiências de uma portuguesa entre o Brasil e o Japão.